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CONHEÇA OS BENEFÍCIOS DE USAR A DANÇA COMO TERAPIA

por Selma Amaro

A terapia pela dança utiliza o movimento corporal e a emoção procurando uma integração psicofísica do indivíduo. Através dos movimentos, podemos nos comunicar.  A dança é uma das formas de expressarmos as emoções e sentimentos que, muitas vezes, são difíceis por palavras.

A bailarina e Educadora argentina Maria Fux, unindo seu trabalho no palco com aulas e Psicologia Transpessoal, pôde discernir uma linguagem corporal que ajudaria a todos que buscavam, de alguma forma, aceitar seu próprio corpo e criou assim a Dança Terapia.

Hoje a terapia pela Dança vem crescendo muito e sendo, muitas vezes, indicada por especialistas em Psicologia, Psiquiatria e Psicopedagogia como forma alternativa de aliviar e prevenir certos sintomas emocionais, como ansiedade, depressão, timidez, problemas mentais, comportamentais e autoestima, por exemplo.

A psicopedagogia tem usado muito a terapia pela dança de forma criativa e divertida em crianças, especialmente aquelas com alguma dificuldade de aprendizagem, com histórico de abuso físico ou autismo.

Para as pessoas da melhor idade, a dança promove uma estimulação cognitiva mantendo a saúde mental e física. A terapia pela Dança busca novas possibilidades e caminhos que auxiliam as pessoas a conviverem e a lidarem melhor com diferentes situações. Seus benefícios:

– Trabalha músculos, articulações, ritmo, resistência, equilíbrio, lateralidade, flexibilidade e a agilidade, melhorando ainda as funções digestivas, respiratórias e neuromusculares.

– Ativa várias funções importantes, como a memória, concentração, atenção, noção espacial, socialização, cooperação, disciplina, autoconfiança, gentileza e perseverança.

Dançar é um ótimo exercício para o corpo, mente e espírito.

Entre nessa terapia aproveitando a primavera, que chega para dançar, saudar a nova estação. Ouça as batidas do seu coração, solte o corpo e mente, liberte suas emoções e divirta-se.

Foto: Thinkstock

 

Dança pode prevenir e auxiliar no tratamento de doenças físicas e psicológicas

Cristina Almeida
Especial para o UOL Ciência e Saúde

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Movimentar o corpo ao som de uma música não é prerrogativa dos jovens, nem dos bailarinos profissionais. Cada corpo possui sua própria dança. E os gestos e ritmos cardíaco e biológico são um exemplo disso. Quando esses movimentos são orientados por meio de uma técnica denominada Dança Movimento Terapia (DMT), eles promovem a integração física, emocional, cognitiva e social, e ainda podem  auxiliar no tratamento e prevenção da ansiedade, fibromialgia, depressão, estresse, distúrbios alimentares, mal de Parkinson e até câncer. Entre os idosos, ela também aprimora as funções físicas e cognitivas.

Todos esses benefícios têm sido observados por pesquisadores na última década, mas segundo a American Dance Therapy Association (ADTA), há mais de 50 anos a prática é pioneira no entendimento de como o corpo e a mente interagem na saúde e na doença. As sessões de DMT não são uma aula de dança onde se repetem coreografias. Trata-se de um prática guiada por terapeutas devidamente habilitados a estimular movimentos espontâneos. As sessões podem ser individuais ou em grupo, e a técnica utiliza música e admite o uso de brincadeiras e materiais que estimulem a criatividade.

Judith Esperanza, dançaterapeuta e naturopata, diretora do Centro de Formação Internacional em Dançaterapia (Cefid-DMT) , conta que esse recurso foi utilizado pela primeira vez em 1940, nos Estados Unidos. “O objetivo das bailarinas Marian Chace e Trudi Schoop era auxiliar na reabilitação de pacientes desprovidos das capacidades de comunicação e expressão”, diz.

Na América do Sul, a argentina Maria Fux não só adotou a técnica como incorporou novos conceitos em benefício de pessoas com todo tipo de deficiência. “O método é integrativo e não exclui ninguém”, fala Esperanza. “Para a DMT o fato de uma pessoa não poder levantar de uma cadeira,  não significa que não possa dançar. Ela movimentará suas partes saudáveis, e é a partir desse potencial que a DMT trabalha. O dançar contempla o todo: braços, dedos, e até o olhar que se move”, explica.

Uma terapia para todos

Na Itália, a bailarina Elena Cerruto, diretora da Associação Sarabanda de Milão e autora do livro No ritmo do coração, dançaterapia entre oriente e ocidente (Phorte Editora), passou a se interessar pela DMT, e nela introduziu elementos da medicina oriental. “A técnica é ao mesmo tempo um tratamento e uma terapia”.  “Na DMT prevalece a linguagem não verbal, mas o meu método também estimula a troca verbal. Por isso, introduzi no curso as psicologias ocidental, chinesa e a zen budista”, esclarece a especialista.

No Brasil, não é requisito ser bailarino para trabalhar com a DMT. Entretanto, o interessado deve frequentar um curso de três anos, que tem em seu currículo não só dança, mas também psicologia, musicoterapia, cinesiologia  e outras disciplinas. As especialistas esclarecem que, para os praticantes, igualmente não é exigida  habilidade física específica, pois a DMT é indicada não só para pessoas com necessidades especiais, mas também para todo adulto, jovem, criança ou idoso, sem limite de idade.

“O proveito psicológico é enorme, pois permite experimentar, expressar e valorizar as próprias potencialidades, muitas vezes superando situações internas que impediam uma vida plena”, afirma Cerruto. “No aspecto físico, o corpo atinge maior elasticidade e capacidade de movimento. Traumas, dores nas costas, contrações e cefaleias podem desaparecer por meio da nova consciência do próprio corpo”, completa.

Esperanza observa que não há contraindicações para a DMT, mas os praticantes devem estar atentos aos seus próprios limites, especialmente no início. “Com o passar do tempo, a escuta pessoal se aprimora, e já não há riscos de cometer excessos”, diz.

Corpo que enxerga

Para Elisabetta Vianello, 60 anos, a DMT trouxe melhora na qualidade de vida. Como há mais de quarenta anos perdeu a visão, a técnica trouxe alívio para as tensões físicas e psíquicas. “Eu me movo melhor no ambiente que me cerca, com simplicidade e certa desenvoltura, superando os limites e enxergando com o corpo”, relata. “Durante as sessões, sinto minha respiração viva e palpitante, especialmente nas zonas que estão sempre bloqueadas: o diafragma e o abdômen. O coração também bate de forma harmoniosa e a circulação melhora. Tudo isso me deixa mais serena”, completa.

Para o cardiologista e cirurgião Giovanni Ansaldi, membro da Sociedade Italiana de Medicina Psicossomática, o valor da DMT é que ela “estimula o movimento visando o bem-estar psicofísico de uma comunidade onde o sedentarismo é a regra”.

Cláudio Santili, professor do departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia (SBOT) concorda: “O mais importante da dança é a capacidade de colocar as pessoas em movimento, favorecendo o aparelho locomotor, a musculatura e os ossos”.

Porém, diferentemente de outras atividades como a ginástica ou alguma modalidade esportiva, acrescenta Ansaldi, “A DMT promove a consciência do corpo e, por meio do movimento, um contato mais profundo consigo mesmo”. “Os benefícios físicos para o aparelho cardiorrespiratório e muscular juntam-se aos psicológicos, não menos importantes”, diz.  Os especialistas falam que o tempo de espera para usufruir dessa melhora dependerá de cada pessoa, mas em média, após dois meses, já se notará alguma evolução, que tende a crescer ao longo da prática.

Função analgésica

Observando a DMT de perto, o médico italiano verificou que ela também pode ser útil para aqueles pessoas que se sentem traídas pelo próprio físico, por achar que ele não atende aos modelos da moda. “Com a DMT, o corpo passa a ser usado ao invés de rejeitado. Além disso, ele é vivenciado numa dimensão comunicativa e criativa”. E acrescenta: “do ponto de vista estritamente orgânico, a DMT figura entre as terapias de maior função analgésica. Como os movimentos não são obrigatórios, nem predeterminados, a pessoa assume de forma solta e consciente, aqueles que melhor se prestam à liberação das tensões”.

Entre os idosos que perderam a mobilidade, relata Esperanza, a experiência pode ser ainda mais extraordinária. Além da resposta física, para eles há a possibilidade de resgatar a autoconfiança, criar laços de amizade e sair da solidão, além de se comunicar e tomar consciência de que ainda estão vivos. “O papel do terapeuta é ter clareza quanto às intervenções que faz, aproveitando e gerenciando cada instante durante as sessões. Afinal, nesse momento, é ele a ponte que leva o idoso ao encontro de suas próprias potencialidades”, conclui.

O que é DançaTerapia?

A Dança Terapia ou Dança Movimento Terapia é uma terapia psicodinâmica e pertence ao grupo das terapias expressivas como a Musicoterapia, a Arte terapia e o Psicodrama. A Dança Movimento Terapia nasce essencialmente da união entre dois campos: a dança e psicologia.

Assim, baseando-se principalmente na conexão entre movimento e emoção, trabalha com o corpo e a sua própria linguagem, procurando uma integração psicofísica do indivíduo (mente-corpo). O movimento corporal pode levar a mudanças psicológicas, promovendo saúde e desenvolvimento pessoal.
Destina-se a qualquer pessoa que deseje melhorar a sua qualidade de vida, e também a indivíduos com patologias específicas, tais como perturbações de ansiedade, emocionais, de relacionamento, problemas comportamentais, atrasos de desenvolvimento, baixa auto-estima, demências, entre outros.
Abrange crianças, adolescentes, adultos e idosos. Qualquer pessoa pode ingressar num processo de Dança Movimento Terapia, independentemente do seu estado físico e psíquico.
Qual a origem da Dança Terapia?
A Dança Terapia ou Dança Movimento Terapia institui-se como profissão em 1966, com a criação da Associação Americana de Dançaterapia. As pioneiras foram todas mulheres: bailarinas, coreógrafas e professoras de dança que, compartilhavam uma paixão comum e um respeito profundo pelo valor terapêutico de sua arte.
Entre 1940 e 1950, separadamente, ensinavam em estúdios privados e foram gradualmente abrindo caminhos em hospitais psiquiátricos e outros estabelecimentos clínicos. Bailarinas, psicoterapeutas e outros procuraram aprender e estudar com estas primeiras praticantes, que começaram a elaborar uma teoria que pudesse sustentar as suas observações.
Mary Starks Whitehouse foi uma das primeiras pioneiras em dança-movimento-terapia. Graduou-se na escola Wigman na Alemanha e também estudou com Marta Graham. Sua análise pessoal e seus estudos no Instituto Junguiano, em Zurich deram como resultado uma aproximação a qual denominou de “Movimento Autentico”. Num artigo intitulado “ Reflexões sobre uma Metamorfose”(1968), conta a historia de sua transição: “Foi importante o dia que me dei conta que não ensinava dança, ensinava a pessoas…Indicava a possibilidade de que meu interesse principal podia ter haver com o processo e não com os resultados, que não era somente pela arte que eu estava buscando e sim por um desenvolvimento humano.”
Quem é o Dança Terapeuta?
É um profissional que trabalha essencialmente com o movimento e com a dança, actuando através da linguagem corporal em campos socioeducativos e de saúde, com finalidade terapêutica, preventiva e de reabilitação.
Ser dançaterapeuta requer pôr o corpo, o afecto, o olhar reflexivo, a permissão à fantasia, à capacidade de jogo, à possibilidade de adaptar seu próprio tempo ao tempo de cada grupo.
Um dançaterapeuta deve adquirir conhecimentos teórico e prático, bem como trabalhar em si mesmo, o desenvolvimento da paciência, da intuição, empatia e ter a habilidade de recriar o que aprendeu de acordo com cada situação.
A quem se destina a Dança Terapia?
A Dança Terapia ou Dança Movimento Terapia enquanto movimento natural de cada ser é adaptada a todos: crianças, jovens, adolescentes, adultos, idosos, homens e mulheres, sem limites de idade, com diferentes necessidades diversas e em contextos distintos.
A Dança Terapia ou Dança Movimento Terapia pode ser praticada por pessoas com e sem patologias (Parkinson, doenças cardíacas, motoras e etc.) e deficientes físicos e mentais em geral, pessoas com problemas emocionais, ou que têm dificuldade de movimentos devido a tensões, ansiedades, pessoas que queiram trabalhar o receio da proximidade, do contacto físico ou da confiança e pessoas que estão atravessam momentos traumáticos associados à perda, transições ou mudanças, etc.
Quais o benefícios da Dança Terapia?
Benefícios Psicológicos:
  • Melhora e aumenta a auto consciência e autonomia pessoal
  • Possibilita conectar-se com a memória corporal, desbloqueando sentimentos ou pensamentos oprimidos, proporcionando uma nova oportunidade criativa de ser;
  • Melhora os recursos da comunicação;
  • Estimula a criatividade e livre expressão;
  • Promove auto-conhecimento físico e emocional;
  • Estimula a descoberta e redescoberta das potencialidades adormecidas;
  • Proporciona a aceitação e o respeito ao próprio ritmo interno e ao tempo do outro;
  • Melhora a auto-estima, a auto-confiança, despertando o “sim, eu sou capaz”;
  • Facilita a expressão de sentimentos muitas vezes difíceis de serem colocados verbalmente;
  • Permite o reconhecimento das próprias limitações, que se tornam fonte de busca e descoberta de novas possibilidades;
  • Promove a atenção, presença e a escuta do ser;
  • Facilita e estimula a integração social;
  • Proporciona aceitação e a valorização das diferenças;
  • Desenvolve as capacidades cognitivas, a motivação e a memória.
Benefícios Físicos:
  • Diminui a tensão e rigidez muscular;
  • Melhora a coordenação motora;
  • Permite a liberdade do movimento;
  • Melhora a noção espacial;
  • Estimula uma boa circulação sanguínea;
  • Melhora a frequência respiratória;
  • O corpo adquire uma nova elasticidade e habilidade de movimento sem trauma e dores;
  • Mal-estares como dor da cabeça, dor de costas, contraturas, podem desaparecer em consequência de uma nova modalidade do uso e da percepção do corpo;
  • Possibilita que o indivíduo descubra em si novos movimentos e novas maneiras de se expressar.

EDUCAÇÃO SOMÁTICA: NOVO INGREDIENTE DA FORMAÇÃO PRÁTICA EM DANÇA Sylvie Fortin Tradução: Márcia Strazacappa A educação somática nos conduz a inúmeras possibilidades relativas à renovação dos sistemas tradicionais de ensino da dança. Por educação somática, designamos as práticas tais como a de Alexander, Feldenkrais, Bartenieff, a Ideokinesis, ou o Body-Mind Centering1 . Conhecidas na Europa sob a designação de cinesiologia ou de análise funcional do corpo no movimento dançado, estas práticas foram denominadas “body therapies, body work, body awareness, body-mind pratices, hands-on work, releasing work”2 antes que o termo educação somática tenha se imposto na América3 . Novo campo de estudo, a educação somática engloba uma diversidade de conhecimentos onde os domínios sensorial, cognitivo, motor, afetivo e espiritual se misturam com ênfases diferentes. Os europeus, encabeçados por Odile Rouquet e Hubert Godart, têm por exemplo popularizado este campo de estudo através de uma análise diferenciada do corpo onde as estruturas orgânicas nunca estão separadas de suas histórias pulsional, imaginária e simbólica. Se o corpo é dissecado nos cursos de movimento, é para melhor sublimar sua representação. Na América, várias correntes coexistem. Sem negar que o corpo designa realidades outras que estas colocadas em evidência pela matéria, observa-se se uma corrente que se funda no domínio médico. Visa-se a aquisição de conhecimentos objetivos que concernem ao corpo. Uma outra corrente procede uma leitura do corpo do tipo fenomenológica, o procedimento interior de desabrochar e engrandecer a consciência corporal é privilegiado nesta corrente. Há também uma corrente que se aproxima do modelo oferecido pela pedagogia crítica; emancipação do indivíduo e de sua coletividade como último fim a ser almejado. Como todas as disciplinas emergentes, a evolução da prática contribuirá, nos próximos anos, a melhor delimitarmos a orientação e o campo de ação da educação somática. 3. 3. 1 Um pouco de história Recentemente, Michèle Mangione(1993) distinguiu três períodos no desenvolvimento da educação somática: da virada do século aos anos 30, quando os pioneiros desenvolviam seus métodos, geralmente à partir de uma questão de auto-cura: 1930-1970, período que conheceu uma disseminação dos métodos graças aos estudantes formados por estes pioneiros; e dos anos 70 até hoje onde vemos diferentes aplicações se integrarem às práticas e estudos terapêuticos, psicológicos, educativos e artísticos. Na comunidade de dança, não podemos passar em silêncio sobre a importância da contribuição de Martha Myers, que através de uma série de artigos publicados em 1983 na Dance Magazine e por seu trabalho no American Dance Festival, muito contribuiu para influenciar não apenas o trabalho individual de professores, intérpretes e coreógrafos, mas também os programas institucionais de formação. Hoje, as práticas somáticas se infiltram em todos os meios de formação em dança: dos conservatórios de dança clássica às universidades que oferecem programas de dança contemporânea, passando pelos estúdios particulares que oferecem uma formação à vocação recreativa. 1 Thomas Hanna, a quem deve-se a revista Somatics, define assim a educação somática: “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio ambiente, estes três fatores sendo vistos como um todo agindo em sinergia” (1983:1). 2 (N.T.) Termos em inglês no original. São compreendidos no Brasil como “terapia corporal, trabalho corporal, técnica de release, técnicas de consciência corporal” 3 Depois de 1989, ano do primeiro simpósio bianual “Science and Somatics fo Dance” do National Dance Association, o termo é gradualmente consolidado, e mais recentemente generalizado pela formação do International Somatic Movement Education and Therapy Association nos Estados Unidos e do Regroupement pour l’Education Somatique no Quebec. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. 3. 3. 2 Um interesse que aumenta a cada dia Embora várias razões possam ser enumeradas para explicar o interesse de dançarinos pela educação somática, limitar-me-ei neste artigo a abordar três aspectos que atingem tanto intérpretes, coreógrafos quanto professores: a melhora da técnica, a prevenção e cura de traumas, e o desenvolvimento das capacidades expressivas. 3. 3. 2. 1 Melhora da técnica Observando o primeiro ponto, colocaremos antes os parâmetros das condições de trabalho dos dançarinos. Atualmente, a maior parte dos intérpretes tem pouca chance de dançar durante toda sua carreira numa mesma companhia. Sua realidade é normalmente aquela de trabalhador freelance que, durante o período de um contrato, tem que se apropriar do estilo do coreógrafo. Estas condições de exercício da profissão requerem uma grande adaptabilidade por parte dos dançarinos. A fim de se dar um leque de possibilidades técnicas que respondam às múltiplas solicitações dos coreógrafos e, uma vez que nenhuma aula técnica pode oferecer um treinamento ideal para todos os tipos de corpos e todos os estilos de dança, os dançarinos tateiam em todas as direções à procura de diversas formas de treinamento. Apesar disso, vários não chegam a adquirir uma polivalência motora como se as inúmeras aprendizagens de sua esparsa formação não se apoiassem sobre um fundo sólido. Ainda que a aprendizagem de estilos variados de dança, desviada ou não de uma progressão lógica motora que leva a uma síntese corporal, propicie o desabrochamento dos artistas dançarinos, é sem dúvida evidente que eles precisam de um sistema que eduque ou, se necessário, reeduque para uma liberdade estrutural, funcional e expressiva. A educação somática que se interessa, entre outros, à construção dos gestos fundamentais pode desta forma ajudar muitíssimo os dançarinos. Os gestos fundamentais são de alguma forma uma espécie de pré-requisito sobre o qual pode-se implantar as aprendizagens motoras mais complexas. Eles são abordados tanto sobre uma base motora quanto simbólica. Os gestos de empurrar-pegar dependem, por exemplo, tanto da coordenação harmoniosa entre as diferentes cadeias musculares implicadas, quanto da capacidade de uma pessoa de estabelecer trocas relacionais bidirecionais. Desde sua infância, o indivíduo se exercita para aproximar, afastar, ir em direção à e recolher. Assim ele constrói pouco a pouco sua autonomia física e afetiva. Os educadores somáticos têm noção dos diferentes níveis de leitura do gesto. Nesta perspectiva, o desenvolvimento da técnica de dança será efetuado através de situações pedagógicas progressivas e variadas que, às vezes, se desconcertam pela sua aparente facilidade. A imposição de modelos gestuais precisos se fará de acordo com a edificação dos gestos fundamentais que não são nunca separados de sua bagagem metafórica. Os educadores somáticos, sejam como Cohen e seu trabalho de desenvolvimento sensório-motor(1984) ou Bartenieff com os Fundamentals(1980), acreditam que a qualidade da execução dos gestos fundamentais tem uma incidência direta sobre a performance motora de alto nível técnico e sobre a propensão a ferimentos. 3. 3. 2. 2 A prevenção e a cura de traumatismos Os traumatismos constituem um sujeito de preocupação maior para os dançarinos como demonstram dois estudos realizados pelas equipes multidisciplinares de pesquisadores canadenses e australianos(Geeves, 1990; Perreault, 1988). Mesmo se a maior parte dos traumatismos seja resultante da conjunção de vários fatores, os pesquisadores estão de acordo geralmente sobre o fato de que eles estão associados a um trabalho corporal repetitivo executado sob um alinhamento que provoca um stress exagerado sobre os tecidos moles que envolvem as estruturas ósseo-articulares (Howse, 1983). A procura de um alinhamento que respeite as estruturas e funções músculo-esqueléticas do corpo se apresenta como um meio preventivo a traumatismos em dança. Aqui, os educadores somáticos compartilham de uma visão de organização corporal e de aprendizagem do movimento que leva em conta o papel determinante do sistema sensitivo-motor. Para os educadores somáticos, as trocas no movimento não se fazem unicamente pelos exercícios motores voluntários e repetitivos, que às vezes têm a tendência a brecar a aquisição de novas formas de se mexer, mas também por um trabalho de refinamento sensorial. Esta escolha se apoia sobre o fato que o sistema nervoso, tanto no plano estrutural quanto funcional, é formado por duas divisões, uma sensitiva e outra motora que, para os educadores somáticos, constituem as duas faces de uma mesma moeda. As funções sensitivas e motoras são interdependentes, tudo aquilo que afeta uma afeta automaticamente a outra, isso que Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. leva Hubert Godard a afirmar que “quando alguém faz um gesto, logo, há uma intenção de gesto, o problema é tanto motor quanto perceptivo. Pode-se dizer que apenas 1 a 2% do ‘cortex motor’ é utilizado para dar uma ordem motora, o resto, ou seja 98 a 99%, assegura a filtragem de informação, sua categorização. Quando se fala de hábitos motores, dever-se-ia falar de hábitos perceptivos, e se interrogar sobre a percepção.”(Groomer, 1995: 6). Um trabalho de refinamento da propriocepção facilitará a aprendizagem do dançarino. Em reeducação, torna-se ainda mais essencial alcançar a nuance dos detalhes. Nesta finalidade de modulação sensorial, os conhecimentos somáticos propõem, nós veremos mais adiante, a adoção de situações pedagógicas privilegiando um trabalho em lentidão, uma exploração atenta da amplitude articular, uma variação minuciosa do esforço, etc. Ser capaz de sentir para agir, tal é um leitmotiv da educação somática. Agir no intuito de aumentar as possibilidades de escolha, logo, aumentar sua liberdade. 3. 3. 2. 3 O desenvolvimento das capacidades expressivas Além de contribuir para a melhora da técnica e para a prevenção de traumatismos, o aporte das práticas somáticas para a formação dos dançarinos reside em sua possibilidade de aumentar as capacidades expressivas do dançarino. Dançar implica certos fatores científicos, objetivos, mensuráveis, mas o fim da dança não será ele a expressão artística? O essencial para o artista reside em exprimir em movimento a comunicação que ele estabelece com ele mesmo, a relação que ele cria com seu meio e o olhar que ele porta sobre sua cultura e a sociedade na qual ele vive. Frank Wildman (1988: 9) se pergunta, no entanto, como é possível que tantos “artistas de alto nível técnico tenham aprendido a se movimentar com graça, leveza e sensibilidade e demonstrem um alto grau de consciência de seus corpos estando completamente inconscientes de sua relação emocional com os outros e com eles próprios”. Os educadores somáticos reconhecem a interconexão das dimensões corporal, cognitiva, psicológica, social, emotiva e espiritual da pessoa e encorajam seus estudantes a trabalhar no sentido de uma reorganização global de sua experiência. Diversas portas de entrada podem ser privilegiadas para levar uma pessoa a se transformar, mas os educadores somáticos crêem que a vantagem de abordar a mudança pela via corporal reside no fato de que esta é a mais concreta e a mais apta para catalisar a globalidade da transformação. Para que as alterações persistam, os educadores somáticos trabalham no sentido de uma reorganização global da experiência e favorecem um trabalho que se inscreve num tipo de pesquisa da neutralidade corporal e de polivalência motora. Neste contexto, os trabalhos de Hubert Godard colocam em evidência como a expressividade do dançarino é determinada pelo fundo tônico do indivíduo sobre o qual se implantam o movimento; os músculos tônico-gravitacionais sendo estes que registram nossas alterações de estado emotivo. Compreende-se, então, a importância de se trabalhar sobre o que ele chama de pré-movimento pois o intérprete pode assim chegar a oferecer ao espectador uma mensagem que seja coerente. De fato, como trabalhar a abertura ao outro, que implica numa modulação da tonicidade muscular, se a angústia já está inscrita no pano de fundo da organização tônica da pessoa? O intérprete que receber qualquer um nos braços durante um representação, deverá ele mesmo ter feito, num outro contexto de vida que não o da representação, a experiência de ter sido envolvido, de ter envolvido com seus braços. Os educadores somáticos dispõem de uma variedade de meios para trabalhar sobre o substrato profundo que é a organização tônico-gravitacional. O trabalho se pretende multidirecional e multidimensional. Ida Rolf afirmava que o corpo é uma tela que religa todas as coisas a tudo. Os dançarinos experientes conhecem e trabalham intuitivamente esta rede plástica de interdependência que é a pessoa humana, mas assim que se juntam ao educador somático, seu processo se torna mais direto, claro e profundo. Isto me leva a discutir as modalidades de práticas da educação somática que são oferecidas aos dançarinos. Minha discussão acontece principalmente no meio universitário, uma vez que constato que a situação seja similar nos outros locais de formação. 3. 3. 3 Educação somática e dança: como se encontrar? Após as observações feitas por ocasião de minhas visitas às instituições de ensino universitário onde existem programas de dança nos Estados Unidos, Austrália e no Canadá, percebo que a tendência que prevalece nos dançarinos é de enriquecer seu treinamento cotidiano seguindo uma ou duas aulas por semana de uma ou outra técnica somática. A educação somática torna-se então um ingrediente de formação complementar a esta mais tradicional aula técnica cotidiana. Esta prática, ainda que reflita o interesse dos dançarinos pelos embasamentos somáticos, acentua a questão da Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. transferência da aprendizagem de um meio a outro. A crença geral é de que os estudantes ao praticarem um método de educação somática além de suas aulas de dança, adaptarão ou mudarão eventualmente sua maneira de trabalhar no interior da aula de dança. A transferência de aprendizagem nem sempre parece acontecer de forma tão automática ou espontânea. (Krasnow et al., 1996; Simpson, 1996). Conheci dançarinos que treinavam sem nenhum respeito pelo seu corpo e que, uma ou duas vezes por semana, seguiam um curso de educação somática para voltar a uma certa neutralidade corporal, o que lhes permitia continuar a dançar exatamente da mesma maneira no dia seguinte. Não é difícil ver dançarinos perfeitamente alinhados ao final de uma aula de educação somática, retornarem a seus hábitos na sua aula de dança no dia seguinte. Encontrei também dançarinos que priorizavam um trabalho de força muscular no atelier de educação somática, mas nenhuma mudança era visível quando dançavam. A transferência de um aprendizado de um contexto a outro deve ser favorecida pelo professor de dança e por este da educação somática, senão as aulas de educação somática correm o risco de serem vistas simplesmente como um meio pontual de receber um alívio temporário ou de se dar um condicionamento físico complementar ao invés de servir como trampolim a uma mudança profunda de atitude face à maneira de pensar o corpo. As aulas de educação somática oferecidas como treinamento complementar não devem apenas encorajar os estudantes a ficarem atentos às sensações proprioceptivas que acompanham seus movimentos, mas elas devem propor-lhes meios concretos que tornarão possível continuar a aprender sobre eles mesmos fora do meio somático, em sua vida cotidiana e em suas aulas de dança. Vejamos agora a possibilidade para os dançarinos de integrarem a educação somática às suas aulas tradicionais de dança. Esta alternativa não está isenta de dificuldades, sendo que a principal refere-se ao fato de que os resultados mais profundos em educação somática são obtidos quando um educador somático trabalha individualmente com um dançarino, oferecendo-lhe um feedback altamente pessoal utilizando suas mãos para detectar ou introduzir as mudanças estruturais ou funcionais. O contato individual pode ser feito evidentemente em situação de grupo trabalhando em duplas, mas trata-se de uma solução a ser utilizada com circunspecção uma vez que o contato manual (toque) requer o concurso de um profissional hábil para dar ao sistema nervoso a informação necessária à sua auto-regulamentação. Os diversos métodos somáticos se apóiam na premissa de que o sistema nervoso sabe reconhecer e utilizar a informação apropriada para seu funcionamento orgânico. Um outro freio à integração da educação somática à aula de dança reside na concepção tradicional dos estudantes e professores face ao que é uma aula de dança. Segundo Diane Woodruff (1989) a educação somática propõe uma aproximação holística da aprendizagem que se opõe a esta mecanicista que prevalece na aula de dança. As atividades somáticas incluídas na aula de dança tornam os alunos impacientes. Eles as vêem muito distantes do esquema tradicional que lhes parece absolutamente essencial para o sucesso de suas carreiras enquanto dançarinos. Ir rápido, suar, repetir inúmeras vezes o exercício, alongar o músculo no seu limite, sentir onde está puxando, subir a perna bem no alto, faz parte das expectativas dos jovens estudantes. A educação somática, que propõe um trabalho com componentes cognitivos e sensoriais, é percebida mais como uma contradição com este uso do corpo típico do treinamento do dançarino do que como um complemento. As reticências dos professores e dos estudantes a integrar a educação somática na aula de dança são justificadas até determinado ponto. A dança e a educação somática convergem parcialmente mas mantêm cada uma, a sua própria natureza. Deve-se evitar os perigos de uma educação somática cognitiva a tal ponto que os alunos fiquem paralisados para a análise, ou ainda uma educação somática com uma tal ênfase no sensorial que os alunos percam a sua motricidade. Falando de outra forma, deve-se evitar de se estar estritamente no ‘corpo sentido’, como deve-se evitar também de se estar apenas na ‘cabeça’. O objetivo do treinamento do dançarino é de conduzilo à representação de diferentes escrituras coreográficas com um organismo corporal eficaz, seguro e expressivo, quer dizer, orientado para o reconhecimento de toda a carga significante e emotiva do gesto. Para o dançarino, a educação somática é então um meio e não um fim. 3. 3. 3. 1 Um exemplo de integração da educação somática na formação do intérprete Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. Na Universidade do Quebec em Montreal, o departamento de dança implanta atualmente um novo programa de formação em dança contemporânea de três anos de duração. Consultas com intérpretes, coreógrafos, professores e educadores somáticos da comunidade de dança de Montreal permitiram o desenvolvimento de um programa embasado sobre a integração dos diferentes aspectos da formação prática em dança 4 . Cada dia os estudantes recebem o ensino de uma técnica de dança sem privilegiar um vocabulário codificado. Duas vezes por semana, eles experimentam ateliês somáticos e ateliês de improvisação, os quais são articulados à sua aula técnica. Semanalmente, eles seguem igualmente um curso de anatomia funcional. Durante sua formação de três anos, os estudantes têm a oportunidade de se aprofundar numa técnica somática de sua escolha. Este programa supõe uma colaboração estreita de professores para oferecer aos estudantes uma experiência unificada e rica. Um encontro semanal é necessário entre os membros do corpo professoral a fim de determinar e coordenar os objetivos pedagógicos, e de fazer o ponto sobre o progresso de cada estudante. Um horário flexível permite permutar as diferentes aulas e de variar a duração para adaptar às necessidades dos temas de trabalho identificados. Por exemplo, a articulação coxo-femural pode ser abordada no curso de anatomia funcional sobre o ângulo das estruturas e de suas possibilidades articulares. Na aula de técnica, a prioridade pode ser fixada sobre a estabilidade e mobilidade da articulação através dos exercícios de dança mais ou menos habituais. No curso de educação somática, os estudantes podem ser chamados à experimentar diferentes situações que solicitem esta articulação como o “thigh lift” de Bartenieff (Bartenieff & Lewis, 1980), o “relógio pélvico” de Feldenkrais (1972), “the fifth line of movement of the ideokinesis’s work” de Irene Dowd (1983), ou o “push and pull action” de Bainbridge Cohen (1984). Os professores, normalmente acostumados a um trabalho individualista, são chamados neste contexto a se interrogar coletivamente sobre suas prioridades de educadores e sobre os meios que eles privilegiam. Eles devem se abrir à análise crítica para recolocar em questão a formação prática em dança e desenvolver novas leituras do corpo e de novos modelos de formação. Dentro de um tal projeto, eles não podem mais considerar uma aula de dança como uma seqüência de pliés, tendus, ronds de jambe, grands battements, etc., mas rever os princípios primeiros que subentendem o movimento. Não se trata de jogar fora os movimentos típicos da aula de dança mas aprofundar sua compreensão à luz de conhecimentos e práticas nascidas do campo da educação somática. Quando sugiro que a educação somática pode contribuir a mudar as práticas dos professores, não quero dizer, por exemplo, que eles irão corrigir com maior freqüência o alinhamento da cabeça e do pescoço de seus estudantes depois de terem praticado a técnica de Alexander. Falo da profunda transformação na maneira que eles concebem o corpo e o conteúdo de seu ensinamento. Aí está um desafio que deve ser plenamente cumprido uma vez que ele pode ser visto como uma ameaça muito desestabilizante posto que normalmente um tal projeto, ainda por cima numa fase inicial, mexe não somente com os hábitos dos professores, mas também com os dos estudantes. 3. 3. 4 Os desafios pedagógicos da educação somática Uma primeira desestruturação vem do fato de que as aulas técnicas de dança são tradicionalmente centradas no professor, enquanto que a educação somática é claramente centrada no estudante. Após vários anos de um ensino normalmente diretivo e autoritário, os estudantes devem efetuar uma transição no sentido de se encarregar pela sua aprendizagem uma vez que, numa perspectiva somática, o saber se constrói na experiência própria de cada indivíduo. A transição se complica pelo fato de que os estudantes devem aprender a valorizar o processo tanto quanto o produto. Feldenkrais, por exemplo, afirma que em período de aprendizagem o “como se faz” deve substituir o “o que se faz”. Em sua obra Learn to Learn, ele dá estes conselhos que refletem bem sua visão pedagógica: “faça cada movimento bem lentamente, aprecie a sensação de prazer, não tente fazer bem, não tente fazer harmoniosamente, insista sobre o conforto, a leveza, não se preocupe em ser eficaz, não se concentre, não se pergunte no começo como isso será no fim, e faça um pouco menos do que você é capaz de fazer”(Feldenkrais, 1980, p.7). 4 Abordo aqui apenas os cursos de formação prática. Estão sendo excluídos os cursos de interpretação e criação. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. É inútil elaborar sobre a oposição desta visão com aquela de um ensino tradicional em dança onde a aprendizagem acontece freqüentemente pela repetição mecânica e voluntária. Expliquei como a educação somática acentua o componente sensorial tanto quanto, ou ainda mais que, o componente motor da execução do gesto. A repetição de um movimento tem certamente sua utilidade dentro da manutenção da mobilidade articular e da elasticidade muscular mas sem uma tomada de consciência do que se produz no curso da ação, a estrita atividade motora não adiciona nada sobre o plano do desenvolvimento neurológico e não conduz a uma real aprendizagem do novo gesto. Enquanto o ensino tradicional de dança valoriza freqüentemente a informação extrínseca, os educadores somáticos insistem sobre a importância de informação intrínseca para explorar os caminhos pelos quais o movimento circula, o que desperta no imaginário de cada um e as emoções que lhes são ligadas. O “produto” da educação somática não é somente caracterizado por uma competência motora específica melhorada e mensurável, mas também pela evolução dos estudantes em direção à integridade, à curiosidade, à qualidade de presença em si, etc. Os educadores somáticos, assim como os professores de dança não devem subestimar a ajuda que os estudantes precisam para realizar a transição entre um ensino tradicional e um ensino influenciado pela educação somática. Isto implica numa nova compreensão do corpo e da formação em dança, uma compreensão que se constrói a cada dia sobre o terreno para uma prática que, como dizia Feldenkrais (1978), é “fundada sobre uma teoria que se situa a meio caminho entre a intuição de hoje e a verdade científica de amanhã” (p.15). Ainda hoje, os educadores somáticos reconhecem que suas práticas estão em atraso em relação à teoria, no sentido de que é incompleta a explicação dos fenômenos observados empiricamente nos numerosos estudos de caso. Talvez dada a dificuldade de se realizar as experimentações controladas, com o que se supõe em termos de medidas de variáveis dependentes e interdependentes, mas sobretudo, dado ao questionamento dos educadores somáticos sobre a pertinência do tipo de pesquisa, constata-se que a pesquisa realizada até hoje pouco tentou avaliar a eficiência das práticas no sentido em que se entende o modelo científico do paradigma positivista dominante. Os próximos anos conhecerão, sem dúvida, uma expansão do número de pesquisadores que compartilharão verdadeiramente entre a tradição da pesquisa experimental e esta da fenomenologia. Após estas colocações, olhemos agora as problemáticas que mantiveram a atenção dos pesquisadores até o presente. 3. 3. 5 Os escritos sobre a educação somática Podemos distinguir três categorias de publicações na literatura em educação somática: esta que se interessa pela definição da educação somática e os diversos aportes para o dançarino5 ; a que descreve os aspectos particulares em relação à dança, por exemplo, o processo criador, a interpretação ou a aula técnica6 ; e, enfim, a pesquisa que porta um olhar sobre uma dada técnica somática e um aspecto específico do treinamento dos dançarinos7 . Foi mencionado no começo deste texto que a educação somática surgiu à partir de preocupações terapêuticas de indivíduos, mas constatamos que membros da comunidade de dança deixaram o caráter terapêutico para dar corpo à sua pesquisa dentro de uma orientação educativa e artística. As referências abaixo foram escolhidas visando ilustrar a diversidade e a riqueza de publicações sobre o sujeito que fornecer uma bibliografia exaustiva. A pesquisa publicada é normalmente conduzida no meio universitário e traduz indubitavelmente um reconhecimento do novo campo de estudo que é a educação somática. No entanto, para que esta tendência se prolongue, será necessário fixar metodologias de pesquisa apropriadas à natureza e ao conteúdo da educação somática. A adoção de uma linguagem que seja inteligível pela comunidade de dança tanto quanto para os organismos subvencionais deve ser considerada. Locais de difusão para divulgar os resultados das pesquisas, pouco importa o paradigma epistemológico no qual elas se situam, serão igualmente necessários. 5 Batson, 1990; Eddy, 1991; Elton, 1989; Fortin, 1993; Godard, 1990; Gomez, 1988; Green, 1991; Kovich, 1994; Myers, 1980, 1986, 1989, 1991; Myers & Horosko, 1989; Rouquet, 1985, 1991. 6 Fortin, 1992, 1994; Fortin & Siedentop, 1995; Garfinkle, 1990; Green, 1993; Hansen, 1988; Laroque, 1988; Richmond, 1994; Wilson, 1990. 7 Andrews, 1986; Bainbridge-Cohen, 1982, 1988; Batson, 1994, 1996; Caplan, 1985; Crow, 1985; Lauffenburger, 1994; Orlock, 1996. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. A história tem nos mostrado que, em todo domínio, o desenvolvimento do conhecimento tem uma tendência a oscilar, como um pêndulo, de um extremo ao outro, de uma maneira de apreensão das coisas à outra. A educação somática defende uma visão não reducionista do mundo. Normalmente muito associada ao intuitivo e ao imaginário, ela se apoia entretanto sobre um saber clínico. Pode parecer estranho ligar conhecimentos objetivos e subjetivos; mas isto era, no entanto, a crença dos pioneiros da educação somática (Bartenieff era fisioterapêuta; Feldenkrais, engenheiro, etc.), a experimentação sensível era, para eles, de primeira importância. Por esta razão, eles encorajaram seus estudantes a estudar rigorosamente a anatomia funcional levando em conta sua experiência interior e sensível. Da mesma forma, nós devemos ainda hoje nos abrirmos às vias inéditas e variadas do conhecimento. Sejamos intérpretes, coreógrafos, professores, educadores somáticos, ou pesquisadores científicos, a formação prática do dançarino nos toca e devemos tentar eliminar as barreiras e integrar os domínios artístico, pedagógico, e científico. A especialização de nossas funções deve ser acompanhada de uma grande capacidade de integrar os domínios do conhecimento às fronteiras de nosso próprio conhecimento. Isto requer uma grande capacidade para escutar e receber o outro. Uma grande responsabilidade nos incumbe, “a responsability that should not be confused with an indifferent superficial tolerance where no effort is made to understand and engage with the incommensurable otherness of ‘the Other’ “ (Bernstein, 1991, p.65). Nós devemos estar conscientes de nossos preconceitos em relação às diferentes fontes de saber e nos interrogar sobre a coexistência de diferentes vias de acesso a uma compreensão de nós mesmos e do mundo no qual vivemos. Nossa capacidade de permanecer abertos e receptivos a uma variedade de perspectivas, a estas em transformação e às que virão, exige de nossa parte um espírito de exploração e um gosto pelo risco que, na verdade, é próprio da arte. Uma coisa é certa, nossa arte não pode se estagnar dentro de um status quo. Sylvie Fortin é doutora pela Universidade Estadual de Ohio (EUA) e professora no departamento de dança da Universidade do Quebec em Montreal (Canadá) desde 1986. Diplomada no método Feldenkrais, mas com experiência em outros métodos de educação somática como o de Alexander, o Body Mind Centering, a ideokinesis, o Kinetic Awareness e o Bartenieff. Pesquisa a contribuição da educação somática para a formação do intérprete, as metodologias de pesquisa em dança e a educação artística dos jovens para a representação coreográfica. Bibliografia ANDREW, M. “The Bartenieff Fundamentals: Mobilizing the dancer’s ressources” In: Contact Quaterly, 11 (2), 1986, 14-18. 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