Teatro de Vanguarda


Teatro de Vanguarda

Histórico

Movimento de contestação artística nascido na Europa no fim do século XIX, reunindo correntes estéticas que advogam novos padrões para o fazer teatral, voltadas contra o realismo, o naturalismo e as convenções. Reivindicando a autonomia da arte e impondo um ilimitado campo de atuação, as vanguardas rompem os padrões estabelecidos, num permanente movimento de reproposição da expressividade artística, voltadas para um além do já convencionado.

O vanguardismo – atitude iconoclasta que recusa o estabelecido – caracteriza-se pela experimentação incessante de novos conceitos e procedimentos, dele fazendo seu objetivo maior, intrometendo-se em todos os domínios cênicos, da encenação às temáticas, da dramaturgia à cenografia, da arquitetura à interpretação dos atores.

Nas primeiras décadas do século XX caracteriza-se pelos manifestos e atuações grupais; seu momento heróico de afirmação, através de revistas, happenings, seratas, espetáculos diversos. A partir dos anos 1940 a vanguarda mostra-se enfraquecida, persistindo nas criações e obras de indivíduos, que a tomam como um estímulo à continuação das rupturas.

A vanguarda surge no Brasil associada à Semana de Arte Moderna de 1922. Conhece algumas iniciativas de renovação junto ao teatro, embora, somente a partir de 1938, tais padrões modernos comecem a ser assimilados em modo mais estável, com as atuações do Teatro do Estudante do Brasil – TEB, e Os Comediantes, ambos no Rio de Janeiro. Entre essas conquistas destacam-se a presença do diretor (responsável pela organização do espetáculo), a renovação da visualidade (cenógrafos e figurinistas não naturalistas), e a interpretação (texto decorado e expressão corporal menos convencional).

Essas assimilações convergem na montagem de Vestido de Noiva, em 1943, ocasião em que tais feitos da modernidade confluem num texto nacional inovador os demais avanços de linguagem. Já assimilado, o vanguardismo vai deslocando-se, paulatinamente, para outros domínios.

Um novo repertório começa a substituir as comédias e o teatro de costumes. Autores como Federico García Lorca, Michel de Guelderode, Jean Giraudoux, Jean Cocteau, Eugene O’Neill despontam nos anos 1940. Samuel Beckett, Jean-Paul Sartre, Bertolt Brecht, Eugène Ionesco, entre outros, são revelados nos anos 1950, tornando cada vez mais acelerada e abrangente a busca por esta dramaturgia menos convencional.

Os anos 1950 conhecem diversos influxos vanguardistas entre nós: a fundação do Teatro de Arena, em 1953, cria um novo espaço cênico e demanda um repertório a ele adaptado, que se dá sob o formato de um ciclo nacionalista, a partir de 1958. Mesmo ano em que o Teatro Oficina é fundado, com uma arquitetura com duas plateias, voltando-se para novos temas e autores.

Bertolt Brecht é profissionalmente montado pela primeira vez em 1957 pelo Teatro Maria Della Costa – TMDC; e Samuel Beckett, no ano seguinte, por Alfredo Mesquita, na Escola de Arte Dramática – EAD. O teatro popular expande-se através do Centro Popular de Cultura da UNE – CPC, ocupando praças públicas e ruas. Com o golpe militar de 1964, as dificuldades censórias e a relativa interdição dos textos nacionais, iniciam-se as montagens da dramaturgia internacional mais radical.

Em 1965 Ademar Guerra encena Oh, Que Delícia de Guerra!, de Joan Littlewood; em 1967, Marat-Sade, de Peter Weiss; e em 1969,Hair, musical inovador de Gerome Ragni e James Rado. O Sr. Puntila e Seu Criado Matti, de Bertolt Brecht, ganha uma versão de Flávio Rangel, em 1967.

Mas o impacto maior do vanguardismo ocorre, especialmente, com o trabalho de alguns encenadores estrangeiros. Ruth Escobar traz o argentino Victor Garcia para montar Cemitério de Automóveis, em 1967, O Balcão, em 1969 e Yerma, em 1974, com nítidos acentos “artaudianos”; Jérôme Savary cria Os Monstros, em 1970; Claude Régy, põe em cena A Mãe, de Stanislaw Witkiewicz, em 1971, e Jorge Lavelli leva à cena A Gaivota, de Anton Tchekhov, em 1974, montagens distantes dos padrões do teatro comercial e francamente opostas às convenções. No mesmo ano, São Paulo recebe o impacto do teatro visual de Robert Wilson, com as apresentações de The Life and Times of Joseph Stalin, título original da montagem, proibido pela Censura, rebatizado para Vida e Época de David Klark.

Entre os brasileiros, as encenações de José Celso Martinez Corrêa refletem, a partir de Andorra, de Max Frisch, 1965, um crescente envolvimento com o vanguardismo: O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, 1967; Roda Viva, de Chico Buarque, e Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, 1968; Na Selva das Cidades, também de Bertolt Brecht, 1969. Ivan de Albuquerque e seu Teatro Ipanema incorporam as inovações com O Arquiteto e o Imperador da Assíria, de Fernando Arrabal, 1970, Hoje É Dia de Rock, 1971, Ensaio Selvagem, 1974, ambos de José Vicente.

A criação coletiva  valoriza sobretudo o trabalho corporal, como em O&A, de Roberto Freire, 1968; Rito do Amor Selvagem, 1969; e Terceiro Demônio, 1970, pelo TUCA. Algumas montagens exploram mais vivamente os aspectos vivenciais, como Luxo, Som, Lixo ou Transanossa, de 1971;  ou Gente Computada Igual a Você (Dzi Croquettes), 1972. Novos grupos ou novas associações de artistas se apropriam dessas inovações, como o Oficina-Samba (especialmente em Gracias, Señor, em 1972) e o carioca A Comunidade, com a realização de SOMMA, em 1973. Após 1974 começam a surgir novos grupos teatrais que, tendo assimilado as conquistas do vanguardismo, instituem projetos artísticos em sintonia com a evolução das tendências internacionais, abreviando o diálogo planetário entre as fontes de criação e suas ressonâncias.

A vanguarda muda radicalmente o fazer teatral ao longo do século XX. Atinge a dramaturgia, o espetáculo, a interpretação, a cenografia, todos os domínios cênicos, vindo a instituir um novo teatro.

Fontes de pesquisa (8)

  • ASLAN, Odette. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994. 363 p.
  • BABLET, Denis; JACQUOT, Jean (Org.). Le Lieu Theatral dans la societé moderne. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1979.
  • LES VOIES de la creation theatrale. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1985-1993. v. 1 – 17.
  • MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 95 p.
  • MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta, 1982. 196 p.
  • PAVIS, Patrice. Languages of the stage. New York: Performing Arts Journal Publications, 1982.
  • ROUBINE, Jean Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982.
  • ______. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.
Expressão que designa todo o teatro que em determinada altura foi contra as convenções vigentes da época, inovando dessa forma. O termo vanguarda aparece no século XIX. Caracteriza-se como um fenómeno puramente burguês do capitalismo e da situação socio-económica por ele criada. A vanguarda põe em causa os valores, mas dentro de um grupo restrito de letrados, não sendo o conjunto da sociedade considerado e dessa forma não participando nela. É importante lembrar que toda a arte é um fenómeno social. Este é um termo militar que deriva do francês avant-garde e significa a dianteira de um exército, ou seja, a parte do exército que marcha à frente do grosso das tropas, na primeira linha. É feito um uso metafórico dessa palavra, ao aplicá-la a uma escrita que mostre evidentes inovações no estilo, forma e assunto. Em todas as épocas, a vanguarda é como que um ataque frontal, muitas vezes organizado, às formas e tradições literárias estabelecidas no seu tempo. Ela visa a destruição do adversário, tornando irreconhecíveis os traços que o especificam.
Todos os movimentos literários nascem de alguma forma como vanguardas. O seu uso em literatura é devido à luta que esta, a partir de determinada altura, empreende na frente ideológica. Designa, então, um conjunto de “–ismos” literários que surgem como reacção a uma ideologia dominante. Nesse conjunto, encontra-se o modernismo, o futurismo, o surrealismo, o expressionismo, entre outros. Porém, nem tudo o que se reclama como vanguarda o é. Erroneamente se julgou que o novo seria o que se acrescentasse á ultima novidade. Para se ser considerado vanguarda é necessário uma inovação, uma antecipação do que está para vir. Hoje em dia, no entanto, vanguarda é muitas vezes sinónimo de extravagante, tornando-se num conceito demasiado vago.
Quando se emprega este termo em teatro, quer demonstrar-se as inovações de determinada peça ou autor. Assim, pode-se dizer que o teatro escrito por William Shakespeare é considerado de vanguarda, embora na altura não se tenha utilizado esse termo para o descrever. Qualquer peça de teatro que demostre qualidades diferentes das anteriormente estabelecidas, pode ser classificada como teatro de vanguarda. Pode comparar-se, assim, uma peça de Shakespeare a uma de Samuel Beckett, considerando que em determinada altura elas foram peças de vanguarda.
No século XX, a mudança mais importante acontece na figura do encenador. Este é a figura central, ultrapassando em importância, a figura do dramaturgo. É possível ver a inovação nos cenários e palcos, passando estes a ser em locais pouco convencionais, como é o caso de circos e fábricas. Há um maior destaque para a iluminação, sendo esta explorada até aos limites, pela tecnologia.
As primeiras peças a serem consideradas como teatro de vanguarda, foram, no entanto, as dos artistas russos das três primeiras décadas do século XX. Esta vanguarda artística acreditava que poderia criar um local onde as suas utopias pudessem existir. Assim, com o final da guerra civil, passam a concretizar as profecias dos futuristas, acabando com a ideia de arte separada da vida. Procuravam novas formas que expressassem as novas realidades da vida soviética e faziam-no em todos os ramos da arte. O teatro era, sem dúvida, o melhor meio para estes artistas realizarem a sua visão de síntese de todas as artes. Isto é, em parte, devido à forte ligação que os russos sempre tiveram com o teatro. Os palcos, as cortinas e os fatos utilizados eram muitas vezes criados em colaboração com produtores como Vsevolod Meyerhold, utilizando ideias construtivistas.
É com a companhia teatral de Meyerhold, e o seu afastamento do realismo, que se começa a pesquisar inovações teatrais ao nível corporal e espacial. Há uma preparação física intensa por parte dos actores, dentro de um método que Meyerhold denominará de biomecânica. Além desta inovação, ele vai também recorrer ao simbolismo e às formas cénicas populares (teatro de feira, music-hall, circo, pantomina) de forma a produzir uma nova e desejada teatralidade. Como encenador, dá muita importância à linguagem cénica e chega a dispensar o proscénio em algumas das peças encenadas por si. Esta inovação veio quebrar a tradição teatral. Com a colaboração de Liubov Popova e de Várvara Stiepanova, cria cenários que sugerem engrenagens de máquinas, andaimes, trapézios e, também, um guarda-roupa apropriado a tais inovações. Meyerhold parte do princípio que toda a relação humana e consequente conduta, expressa-se através de olhares, passos e atitudes e não de simples palavras. Assim, o corpo seria a “linguagem” por excelência, nas suas encenações. Esta introdução de novos e absurdos elementos, criando quebras lógicas, tinha o objectivo de reestruturar e reorientar a realidade.
Mas nem todos partilhavam deste entusiasmo e havia a preocupação que tais experiências artísticas não fossem compreendidas pelas massas. Devido às condições políticas da época, os seus trabalhos tornaram-se meios para propaganda e agitação. Com Estaline chegado ao poder, todas as energias, tanto culturais como ideológicas, tiveram que se submeter aos seus objectivos. Onde houvesse discordância, haveria traição. O gosto era agora pelo romântico e idealista, e os formalistas do passado reconheciam, agora, os seus ditos desvios de percurso. Isto leva ao suicídio de Maiakóvski.
É só mais tarde, após a segunda guerra mundial, que volta a estar em voga o chamado teatro de vanguarda. Este não faz mais do que seguir um movimento já estabelecido na literatura e pintura. Contudo, a condição do teatro é bem mais complexa que a da literatura e pintura, pois estas só dependem do próprio escritor/pintor. O teatro é uma obra colectiva. Uma peça depende do encenador, do autor, dos actores e até do público.
É nas encenações da Rive Gauche parisiense que nomes como Eugène Ionesco, Samuel Beckett, Arthur Adamov e Jean Genet se impõem. Este movimento chega a Inglaterra e passa a ser conhecido pelo nome de teatro do absurdo. A peça Ubu Roi (1888) de Alfred Jarry e as experiências futuristas, são consideradas percursoras desta nova vanguarda teatral. Esta constitui-se por um grupo reduzido de autores, que buscavam a renovação incessantemente. As suas peças caracterizam-se pela ausência de acção e por personagens risíveis. Como processos para atingir esse fim, os autores utilizam a réplica imprevista dentro do discurso normal, a pulverização da linguagem que deixa de ter como objectivo a comunicação, o absurdo do mundo em que o homem vive, o desmoronamento das situações convencionais e a recusa da continuidade cronológica. Procura-se dar ao teatro uma dimensão metafísica, em que o homem é surpreendido pela sua tragédia, pelo absurdo e pela solidão derivada da sua incomunicabilidade.
O autor de vanguarda é avançado em relação ao tempo em que se insere, é revolucionário pela sua forma de pensar e escrever, e é sobretudo revolucionário pela sua concepção de teatro. Sabe que as suas peças não serão aceites por todas as pessoas, mas ele escolhe o seu próprio público. Ele é uma excepção no movimento artístico e intelectual do seu tempo.
O problema desta nova vanguarda reside no facto de se ter limitado a um público específico (os intelectuais). Porém, Sanguinetti afirma que a nova vanguarda é um problema de mercado e não um problema político ou de classes. É necessário que haja uma política cultural que seja capaz de propiciar o encontro entre massas e arte. As massas não entendem esta vanguarda porque estão imersas numa sociedade de alienadas ideologias. É por essa razão que não se reconhecem na obra que pretende representar a sua própria condição. Assim, teatro de vanguarda em vez de abrir caminhos, cria apenas labirintos pois não fornece indícios para a sua interpretação.
O teatro experimental de Peter Brook e os Happenings iniciados pelo pintor Allan Kaprow e pelo músico John Cage, são formas de teatro de vanguarda em voga até aos dias de hoje.

{bibliografia}

A. M. Ripellino Maiakóvski e o Teatro de Vanguarda (1971); Edoardo Sanguinetti “Sociologia da Vanguarda” in Literatura e Sociedade – Problemas Metodológicos em Sociologia da Literatura (1978); Fernando Guimarães “Um Problema Teórico: Vanguarda e Produção Textual” e “O Modernismo e a Tradição da Vanguarda” in Simbolismo, Modernismo e Vanguardas (1982); George E. Wellwarth Teatro de Protesta Y Paradoja: La Evolución del Teatro de Vanguardia (Madrid: Alianza Editorial, 1963); Georges Pillement “La Condition De L’Auteur D’Avant-Garde” e André Villiers “Perspectives Ouvertes Et Fermées De L’Avant-Garde” in Jean Jacquot : Le Theatre Moderne – Hommes et Tendances (1958); João Barrento Vanguarda, Ideologia e Comunicação (1977); Leonard C. Pronko Théâtre d’Avant-Garde: Beckett, Yonesco et le Théâtre Experimental en France: Essai (1962); Luiz Francisco Rebello “A Utilidade da Arte e a Arte Utilitária” in O Jogo dos Homens (1971); Marcelin Pleynet e Philippe Sollers “A Vanguarda de Hoje” in Roger Pillaudim (dir.): Escrever… Para Quê? Para Quem?, tradução de Raquel Silva (1975); Peter Burger, Theory of the Avant-Garde, (Lisboa: Editora Vega, 1993); Sábato Magaldi “Qualitativos em Voga – Vanguarda” in Iniciação ao Teatro (1985); http://www.theatre-link.com/thresor.html#other

Fonte: http://edtl.fcsh.unl.pt/business-directory/6994/teatro-de-vanguarda/