Teatro do Absurdo


Teatro do Absurdo

Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

Histórico

Teatro do Absurdo é uma expressão cunhada pelo crítico inglês Martin Esslin (1918 – 2002) no fim da década de 1950 para abarcar peças que, surgidas no pós-Segunda Guerra Mundial, tratam da atmosfera de desolação, solidão e incomunicabilidade do homem moderno por meio de alguns traços estilísticos e temas que divergem radicalmente da dramaturgia tradicional realista. Trata-se, porém, não de um movimento teatral organizado tampouco de um gênero, mas de uma classificação que visa colocar em destaque uma das tendências teatrais mais importantes da segunda metade do século XX. Entre os principais dramaturgos “do Absurdo” estão o romeno radicado na França Eugène Ionesco (1909 – 1994), o irlandês Samuel Beckett (1906 – 1989), o russo Arthur Adamov (1908 – 1970), o inglês Harold Pinter (1930 – 2008) e o espanhol Fernando Arrabal (1932).

Pode-se tomar como marcos do início do Teatro do Absurdo as peças Esperando Godot (1949), de Beckett; A Cantora Careca e A Lição, de Ionesco (ambas de 1950). Estas, assim como outras obras dos dramaturgos do absurdo, apesar da novidade formal, reutilizam alguns elementos que marcam a história do teatro e das artes em geral: os mimodramas (espetáculos gestuais surgidos na Antiguidade greco-romana, que atravessam a Idade Média com os saltimbancos e bobos); a commedia dell’arte (gênero cômico de muito sucesso na Europa entre os séculos XVI e XVIII); os espetáculos de music hall e vaudeville (que misturam números musicais, cômicos e de dança); a comédia de nonsense (com falas absurdas ou sem sentido); os movimentos artísticos de vanguarda do início do século XX (como o expressionismo e, principalmente, o dadaísmo e o surrealismo); a literatura de nomes como o irlandês James Joyce (1882 – 1941) e o tcheco Franz Kafka (1883 – 1924); o cinema do inglês Charles Chaplin (1889 – 1977), dos norte-americanos Buster Keaton (1895 – 1966), Oliver Hardy (1892 – 1957) e Stan Laurel (1890 – 1965) e dos irmãos Marx; e o teatro de nomes como Alfred Jarry (1873 – 1907), dramaturgo francês, criador da patafísica, precursor tanto do Teatro do Absurdo quanto de movimentos artísticos como o dadaísmo e o surrealismo.

O Teatro do Absurdo une a comicidade ao trágico sentimento de desolação e de perda de referências do homem moderno. Tal sentimento deriva não apenas do horror da Segunda Guerra como também da Guerra Fria e do estágio atingido em meados do século XX pela filosofia, especialmente a existencialista, que afirma definitivamente a solidão e a responsabilidade do homem por seu destino em um mundo sem Deus. Há ainda um paralelo com as ciências (que superam antigas “certezas”) e com as artes plásticas, que consolidam o abstracionismo (responsável pela criação de mundos não atrelados às formas reconhecíveis do real), como uma forma de arte tão legítima quanto o figurativismo.

No Teatro do Absurdo, a incerteza e a solidão humanas são traduzidas por procedimentos que, fazendo uso de elementos conhecidos (situações banais, frases feitas, gestual cômico) ou menos usuais (construções verbais aparentemente sem sentido, gestual mecânico repetido incessantemente, ações sem motivação aparente), buscam criar outros universos, estranhos, porém assemelhados ao universo cotidiano. Um exemplo disso é apresentado por Beckett quando relata a interminável espera dos dois vagabundos de Esperando Godot; na patológica estagnação e decadência dos personagens de Fim de Partida; no soterramento, físico e existencial, da personagem principal de Dias Felizes; na repetição sem sentido de frases feitas em diversas peças de Ionesco; na surpresa e no caráter enigmático e tenso das ações e falas dos personagens de Pinter; e na obsessividade infantil dos personagens de Arrabal.

Assim, se a dramaturgia tradicional tem histórias habilmente construídas, o Teatro do Absurdo conta com peças muitas vezes quase sem enredo, que se utilizam de situações gerais que giram em círculos, um amontoado de acontecimentos insólitos e personagens cuja construção dificilmente se adequa à psicologia dos personagens realistas.

O Teatro do Absurdo chega ao Brasil em meados da década de 1950, com Esperando Godot, encenado na Escola de Arte Dramática (EAD) e, depois, com espetáculos de Luís de Lima para peças de Ionesco. Nas décadas de 1960 e 1970, continuam a ser montadas peças “do absurdo”, e são dignos de nota a montagem do diretor argentino Victor García para Cemitério de Automóveis (1968), de Arrabal; a encenação de Esperando Godot (1969), com participação de Cacilda Becker; e o espetáculo O Arquiteto e o Imperador da Assíria (também de Arrabal), realizado pelo Teatro Ipanema em 1971.

A partir da década de 1970, com a assimilação do Teatro do Absurdo, alguns de seus elementos permeiam não apenas peças de vanguarda, mas também obras ligadas à tradição. Entre esses elementos, podem-se destacar, grosso modo, a presença do insólito e da estranheza em personagens e temas, a não linearidade e a existência de elementos oníricos ou simbólicos que, muitas vezes dificultando a apreensão da narrativa, são parte fundamental do contexto poético das obras. Essa apropriação de traços do Teatro do Absurdo pela tradição, além da não organização dos participantes em um movimento, é um dos motivos pelos quais diz-se tratar de uma tendência e não propriamente de uma corrente artística. Ainda por isso é tarefa praticamente impossível citar exemplos de representantes contemporâneos do Teatro do Absurdo, já que é possível encontrar ecos de suas características, em maior ou menor grau, no trabalho de boa parte dos dramaturgos contemporâneos.

Fontes de pesquisa (8)

  • ARRABAL, Fernando. O Arquiteto e o Imperador da Assíria. Tradução: Ivam Albuquerque. São Paulo: Abril Cultural, 1976.
  • BECKETT, Samuel. Dias Felizes e Malone Morre. Tradução: Roberto Ballalai. Rio de Janeiro: Ópera Mundi, 1973.
  • BECKETT, Samuel. Esperando Godot. Tradução: Fábio de Souza Andrade.  São Paulo: Cosac Naify, 2005.
  • BECKETT, Samuel. Fim de Partida. Tradução: Fábio de Souza Andrade. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
  • BERTOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Tradução: S. Coelho; J. Guinsburg; M. P. Zurawski; C. Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2004.
  • ESSLIN, Martin. O Teatro do Absurdo. Tradução: Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
  • IONESCO, Eugène. A Lição e As Cadeiras. Tradução: Paulo Neves. São Paulo: Peixoto Neto, 2004.
  • PINTER, Harold. Teatro I. Tradução: P. Marques; A. Ramos; J. S. Sampaio; J. Saboga; F. Frazão.   Lisboa: Relógio d’Água, 2005.